Parece que hoje começaram os saldos. Parece.
Como esta é a vista que tenho ao nível do chão, ainda não consegui ver as montras das lojas com os cartazes das promoções nem sei se estará alguma coisa aberta.
Já percebi porque é que o governo que eu ajudei a eleger não decreta requisição civil imediata para a recolha do lixo; como já sopra uma ligeira brisa, têm esperança que se transforme em vento e as rajadas comecem a desbastar o topo dos contentores.
E passarei a ter vista desafogada!
Só que nessa altura os melhores saldos já foram...
Acho que vou poupar dinheiro.
Sabem bem as obsessões: são um regresso à infância. Ando obcecado com o mundo das fragrâncias, depois de ter lido uns livros (sobretudo os de Lucas Turin, recomendadíssimos).
Usa-se a palavra francesa ‘sillage’ (o rasto/sulco que deixa um navio no mar ou um avião a jacto no céu) para descrever o raio de projecção de uma fragrância.
“Perfume” é uma palavra enganadora por causa da etimologia: “Através do fumo.” Era através de fumos que os antigos perfumavam o ar e mascaravam os maus cheiros.
Comecei a tentar traduzir ´sillage´ para português. O Paulo, meu irmão (como não tenho outro, não posso dizer “o meu irmão Paulo”, como quem o distingue dos outros irmãos que não tenho), é um jovem marinheiro, com o curso da Escola Náutica e uma grande habilidade tradutora (foi o primeiro português a traduzir Patricia Highsmith), e disse-me que ´sillage’ é esteira ou, maravilhosamente, na rude linguagem dos marinheiros, aguagem.
Como se trata de ‘eaux de toilette’ e de ‘eaux de parfum’ (EDT e EDP são os acrónimos da gíria) , aguagem parece-me uma tradução perfeita. Se a fragrância for de Bertrand Duchaufour, conhecido por evocar missas, missais velhos e incensos, ‘sillage’ seria procissão. As fragrâncias mais expansivas serão as mais processionais.
Também poderia ser, deselegantemente, o trilho aromático ou, machistamente, o nome que se dá ao comprimento do véu de arrasto de uma noiva, que é ‘train’ em inglês, mas não é comboio em português.
E o leitor? O que sugere?
Há uma loja de costura de que sou cliente quando se trata das coisas mais sofisticadas que não sei fazer. É uma loja de centro comercial mas as velhotas que lá trabalham, além de aturarem as minhas manias nos fatos, são geniais em reparações.
Hoje fui buscar um impermeável que lá deixei com o fecho eclair central avariado e os bolsos feitos num oito.
Fizeram exactamente o que pedi: um clássico que peço sempre e que é reforçarem com ganga o interior dos bolsos e assim as chaves podem andar na boa em cima umas das outras sem furar o tecido, suportam pesos de moedas e sem as costuras novas se distinguirem das originais.
A obra prima desta vez foi mesmo o fecho eclair. Como o antigo estava preso ao impermeável com molas de fábrica, encomendaram um fecho mais estreito mas com a mesma medida, cortaram o antigo avariado à face do tecido e com uma máquina de costura ultra sofisticada conseguiram coser na entretela do antigo o fecho novo sem se notar nada. O mesmo azul escuro, as costuras iguais... um milagre.
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